O poema «A vida celestial», sobre o qual Mahler escreveu a canção que preenche a totalidade do último andamento da Sinfonia N.º 4, percorre a visão infantil de uma vida angelical. Mas não se trata de uma apropriação inocente. A composição aborda com desassombro o assunto da morte. O relato de uma criança acerca das imensas maravilhas que a rodeiam – é um quadro que se reveste de uma encantadora inocência. Porém, quando tais palavras são proferidas no céu, sob o olhar atento de São Pedro, a candura dá lugar a diferentes matizes.
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O poema «A vida celestial», sobre o qual Mahler escreveu a canção que preenche a totalidade do último andamento da Sinfonia N.º 4, percorre a visão infantil de uma vida angelical. Canta-se e dança-se. É certo que são sacrificados cordeirinhos para se comer a carne, e que se bebe vinho. Mas abundam a fruta e os legumes, e os pratos de peixe são bem cozinhados. Até na música se nota a diferença – «Não existe música na Terra que se compare à nossa».
Eis aqui a substância poética que levou o compositor austríaco a recuperar em 1889 a canção que havia composto anos antes sobre estes cinco versos retirados de uma coletânea de poesia popular publicada no início do século XIX e intitulada «A trompa mágica do rapaz», tomando-a como motivo essencial dos quatro andamentos da sua sinfonia. As crianças de que trata não se encontram entre os vivos. Com placidez, manifesta ironia e algum arrebatamento, esta obra oferece-nos música de outro mundo, mas enfrenta com desassombro a ideia da morte. Naquela época a mortalidade infantil era uma realidade bastante presente. O próprio Mahler perdeu vários irmãos ainda em tenra idade, e a sua primeira filha viria a morrer em 1907, com apenas seis anos de idade. Este assunto era, portanto, entendido de maneira bastante diferente da que conhecemos hoje.
Mahler só conheceu Alma Schindler, sua futura esposa, em novembro de 1901, por altura da estreia da sinfonia. Ela não acompanhou, portanto, o processo criativo. Porém, revelou mais tarde que o 2.º andamento reporta ao tema da morte, chegando a sugerir explicitamente ter sido inspirado numa pintura de Arnold Böcklin.