O título Um Conto de Natal de Charles Dickens remete-nos de imediato para a visita dos três espíritos ao velho avarento Ebenezer Scrooge, a personagem principal da história que nasceu num dos livros mais célebres do escritor inglês Charles Dickens e que, apesar de ter sido escrita em 1843, tem sido muitas vezes recriada em produções ficcionais recentes. É também o caso desta obra para orquestra e narração que o compositor Sérgio Azevedo dedica à quadra natalícia e ao público mais jovem.
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Sérgio Azevedo apresenta-nos Um Conto de Natal de Charles Dickens com as seguintes palavras:
«Um conto de Natal de Charles Dickens», que estreia neste Natal de 2020, é uma obra que assinala da melhor maneira onze anos de escrita regular de contos musicais para crianças e doze obras desse género. Tendo-me iniciado na escrita de contos musicais em 2009, com a «História de uma Gaivota e do Gato que a ensinou ou a voar», tenho desde essa altura escrito uma peça dessas por ano, ciente de que os contos musicais são uma excelente maneira de iniciar as crianças na música clássica e, simultaneamente, nas grandes obras literárias a elas destinadas. Assim, já musiquei Luís Sepúlveda, Umberto Eco, Hans Christian Andersen (2), Pierre Guéguen, Antoine de Saint-Éxupéry, Charles Dickens e, de entre os escritores portugueses, António Torrado, Lídia Jorge (2), José Saramago e Manuela Bacelar. Do piano solo a pequenas formações de câmara, de ensembles de solistas a orquestras escolares e à orquestra clássica e sinfónica, várias têm sido as soluções instrumentais para ilustrar as narrativas que tenho escolhido ou que me têm sido dadas a musicar (oito dos doze contos foram encomendas). No que toca à OML, «Um conto de Natal de Charles Dickens» é a segunda encomenda que me é feita no espaço de dois anos, e a terceira obra deste tipo que é estreada por orquestras desta instituição.
Em apontamentos partilhados, o compositor revelou-nos, ainda, outras ideias.
Nesta adaptação do texto de Dickens, reduziu necessariamente para meia dúzia de páginas um conto bastante extenso. Manteve, todavia, intacta a estrutura simétrica em cinco partes, que correspondem basicamente ao tempo presente (real) (Partes I e V, que mostram Scrooge avarento e desagradável, como era antes das aparições, e um Scrooge redimido após essas aparições), e aos tempos passado, presente (irreal) e futuro que são revelados a Scrooge pelos três fantasmas.
Por sua vez, a música, por vezes bastante cinematográfica (ou não fosse Sérgio Azevedo um amante do cinema), utiliza como motivo principal uma melodia que se baseia, para o mais icónico dos contos de Natal, na mais icónica das melodias natalícias: «Stille Nacht» («Noite Feliz»), de Franz Xaver Gruber (1818).
A partir deste material, que atravessa constantemente a narrativa em diversas «roupagens», são feitas referências deliberadas a compositores e obras (apenas no que toca à orquestração e ao contexto harmónico) que, de alguma forma, se relacionam com o contexto. Nomeadamente, são feitas referências a Stravinsky (Pássaro de Fogo; Petrushka), Prokofiev (Pedro e o Lobo), Ravel (Ma Mère L’Oye), e Delibes (Coppélia). No capítulo em que Dickens refere especificamente a música tocada num baile no qual Scrooge revisita os seus dias de apaixonada juventude, Sérgio Azevedo ignorou a sua sugestão (a melodia popular «Sir Roger de Coverley») e orquestrou a «Valsa Lírica» de Schostakovich, terna miniatura escrita para a sua filha Galina, que se coaduna melhor com a atmosfera sentimental de grande parte do conto e que estabelece um paralelo, na qualidade de valsa, com a sua própria valsa triste que ilustra os sonhos perdidos da juventude de Scrooge. O conto termina com a mesma atmosfera do início, verdadeira «música de trenó» que estabelece em definitivo a atmosfera natalícia jubilosa que Scrooge sempre negara até aí.