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Um Concerto Singular

O Concerto para Violoncelo de Schumann contorna as práticas mais convencionais do formato Concerto. Mas aquilo que aparenta ser um discurso fragmentado é, afinal, uma estratégia de desenvolvimento cíclico em que a recorrência dos motivos garante uma invulgar integridade à «narrativa musical», um pouco à semelhança de um ciclo de canções. As críticas que lhe costumam ser dirigidas parecem fundar-se nas qualidades que o tornam verdadeiramente único.

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Schumann preferia escrever obras de curta duração. Porventura, só escrevia sinfonias e concertos porque o seu prestígio de compositor assim o exigia. Sintomaticamente, escreveu na partitura autógrafa a designação Konzertstück – «Peça de Concerto», e não «Concerto». Este detalhe ajuda-nos a perceber as suas motivações. Os três andamentos são tocados sem interrupções e com grandes afinidades entre si. A orquestração funde-se frequentemente com o solista, em vez de provocar o confronto. A introdução orquestral é diminuta. O segundo andamento também é inusualmente curto. Tudo se constrói de maneira sintética, com uma exposição concisa, um desenvolvimento comedido e uma série de interlúdios que garantem a recapitulação das unidades temáticas. Distingue-se assim a identidade desta obra.

Desde a sua primeira apresentação pública, em junho de 1860, nunca foi consensual. É, todavia, uma das peças mais importantes de todo o repertório para este instrumento. Muitos intérpretes apontaram fragilidades à parte do solista, alegando que não respeita a natureza idiomática do violoncelo. Outros entenderam que o aparato virtuosístico ficava aquém do expectável. Há também quem defenda que a orquestração é pobre, por não favorecer o «confronto» característico de uma obra concertante, e quem ache a sua estrutura excessivamente fragmentada, repetindo ideias de forma obstinada. A dimensão destes reparos toma uma proporção muito particular quando são acompanhados da ressalva de que o compositor escreveu esta obra já em final de vida, apenas três anos e meio antes de ser internado no hospital psiquiátrico de Endenich, onde veio a falecer em 1856. Com efeito, este é um concerto repleto de singularidades. Mas seria obtuso resumi-lo ao ardil de um louco.

 

Rui Campos Leitão

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