L. v. Beethoven nunca se sentiu satisfeito com o resultado do seu Concerto para Piano N.º 2. Em 1801 enviou uma carta a um editor sediado em Leipzig, à qual juntou as partituras deste concerto, do Septeto Op. 20, da Sinfonia N.º 1 e da Sonata para Piano Op. 22. Pelo concerto, exigia apenas metade da remuneração, em comparação com as outras obras. Justificava a diferença com uma frase lacónica: «Não o tenho como um dos meus melhores.» Ainda assim, quis publicá-lo. E percebe-se porquê. Não estava em causa a qualidade intrínseca da obra, mas sim a disparidade com um novo estilo que entretanto se lhe impusera.
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Do modo como são apresentadas, hoje em dia, somos levados a pensar que as composições musicais de L. v. Beethoven lhe brotavam das mãos como quem liberta ar dos pulmões. É como se tivessem existido desde sempre e se destinassem à posteridade; como se a participação que o músico tinha no processo criativo se limitasse a uma mediação privilegiada de algo que, afinal, o transcendia. Claro está, assinala-se sempre importantes doses de sofrimento pessoal e de capacidade de superação. Mas estas são entendidas como condições próprias da genialidade, as quais, praticamente, não interferem com o conteúdo sublime da obra artística. No entanto, quando conhecemos um pouco sobre a produção do Concerto para Piano e Orquestra em Si Bemol Maior, logo se percebe que tais ideias pecam por romantismo em excesso. Afinal, há muitas decisões tomadas, em nome próprio.
Quando se instalou definitivamente em Viena, Beethoven já trazia consigo os primeiros esboços deste concerto. Só terá sido estreado, no entanto, três anos mais tarde, depois de substancialmente transformado. Aconteceu no Burgtheater a 29 de março de 1795, por ocasião de um evento bastante importante para a afirmação da sua reputação na capital do Império. O pianista virtuoso Beethoven apresentava-se como a principal figura nesse concerto de beneficência promovido pela Sociedade dos Compositores de Viena, uma espécie de sindicato que também assumia responsabilidades sociais entre os músicos e respetivas famílias. Compôs então para este concerto um novo terceiro andamento, que substituiu o anterior. Trata-se do Rondó que se tornou na parte mais conhecida da obra. A versão final do concerto só foi publicada em 1801, depois de acrescidas alterações. Com tudo isto, a partitura construiu-se em diferentes fases, sofreu sucessivas revisões ao longo de um período que se estendeu ao longo de cerca de treze anos. É, por isso, uma obra em que se sobrepõem múltiplas facetas de um músico que perseguia a notoriedade, moldando-se nas expectativas do público vienense, mas que simultaneamente explorava com avidez novas soluções técnicas e expressivas, as quais terminariam por inflectir o decurso da História da Música.
Este é um concerto em que predominam a clareza do discurso, a elegância expressiva e a espontaneidade melódica, espelhando não só o estilo musical clássico mas também o lado mais subtil e sereno da personalidade do compositor. Tudo parece evoluir sem percalços, com uma fluidez irrepreensível, avessa aos repentes expressivos que o distinguiram mais tarde. É, portanto, testemunho histórico do momento em que um jovem músico se apropriou da tradição e de práticas instituídas para reinventar modos de fazer e de ouvir música. Os ritmos enérgicos alternam com momentos de grande lirismo. A orquestra apresenta-se com todos os seus recursos e a extensa variedade de soluções técnicas oferecidas pelo piano é amplamente explorada.
Num breve roteiro, o concerto explana-se da seguinte maneira. O primeiro andamento permite distinguir claramente uma Forma Sonata. A orquestra apresenta o tema principal que é depois desenvolvido no piano com eloquência. O mesmo tema é recuperado mais à frente. O segundo andamento é lento e divide-se em três partes. Neste caso, a secção central contrasta com as outras duas, muito semelhantes entre si. Ouve-se uma melodia solene que vai sendo progressivamente enriquecida, ao longo do tempo. O terceiro e último andamento tem uma estrutura simétrica em que o «refrão» se repete quatro vezes, alternado por secções contrastantes, com laivos de música popular. Dispõe-se numa organização do tipo A-B-A-C-A-B-A.