O percurso de Lopes Graça evoluiu de acordo com o que o próprio descreveu como «um processo de maturação progressiva de constantes». Tão desconfiado das vanguardas quanto dos sistemas, preferiu, como Bartók na Hungria, concentrar-se na música tradicional portuguesa. O catálogo das suas obras testemunha o seu permanente envolvimento numa realidade política e artística complexa, a qual fez questão de refletir na sua música. À escuta do mundo e da música do seu tempo, Lopes-Graça propôs uma reflexão sobre a tradição. A Sinfonieta, composta em 1980, prossegue essa ligação entre o passado e o presente.
Sem a gravidade e a intensidade da Sinfonia per Orchestra de 1944, esta partitura é um tributo às sinfonias clássicas do século XVIII. Para lá da citação da Sinfonia de Haydn N.º 101, a Militar, o espírito do compositor vienense perpassa na parte central do terceiro andamento. No entanto, à simplicidade e à clareza dos sucessivos motivos melódicos, Lopes Graça acrescenta inquietação rítmica e divergências harmónicas que provocam subtis desajustamentos. No segundo andamento, Andante, as trompas e as flautas dividem-se, os metais distinguem-se pelas suas características cantabile e a secção lenta assemelha-se a uma marcha fúnebre: Lopes Graça joga com as expectativas e descuida as convenções de um andamento lento, cujo lirismo é aqui abalado por uma secção de cordas com ritmos por vezes instáveis. Se a sequência clássica dos andamentos numa sinfonia for tida em conta, o Scherzo dá aqui lugar a uma Gaio. Esta dança do norte de Portugal, com o seu ritmo binário, já estava presente na Suíte Rústica N.º 2 para quarteto de cordas (1965). O compositor inscreve o termo várias vezes na secção central, como se fossem interrupções que reforçam o espírito lúdico e infantil do andamento. Com este gesto, mas também com o tema escolhido para dar início ao último andamento, Lopes Graça lembra-nos o quanto a música erudita deve à inspiração popular e, em particular, à música de dança. Um fluxo rodopiante conclui com energia esta Sinfonieta, surgindo o eco não somente como uma técnica de escrita mas também como sinal de modernidade.
Isabelle Porto San Martin
[tradução de Rui Campos Leitão]