Joseph Haydn compôs doze sinfonias que foram estreadas em Londres. Foi, todavia, a N.º 104 que ficou explicitamente conhecida pelo nome da cidade, em virtude de opções editoriais que aludem inscrições na partitura dos sons urbanos que envolviam o King’s Theatre naquela primavera de 1795. Foi a derradeira sinfonia do músico austríaco.
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Joseph Haydn passou duas longas estadias em Inglaterra já numa fase muito adiantada da carreira, após servir durante quase três décadas a família Esterházy – primeiro entre janeiro de 1791 e julho de 1792, depois entre fevereiro de 1794 e agosto de 1795. Ambas as digressões foram bem sucedidas, quer no que respeita aos proveitos financeiros quer à simpatia e reconhecimento públicos. Soube familiarizar-se com as práticas e costumes locais e, no âmbito específico da sua arte, mediu bem o gosto dos ouvintes a quem se dirigia, necessariamente diferentes do da aristocracia centro-europeia a que estava habituado. A Sinfonia N.º 104 culminou essa experiência. Por isso, é um testemunho valioso da adaptabilidade da criação artística em função do contexto a que se destina, muito embora não saibamos, categoricamente, o que faz desta obra a «Sinfonia Londres».
Vários autores destacaram diferentes aspetos. Em particular, a vaga semelhança que se nota entre o tema principal do primeiro andamento com a melodia de um salmo que se ouvia frequentemente entoado nas igrejas anglicanas da época. Já no último andamento, distingue-se uma melodia com raízes numa canção tradicional croata que Haydn trazia na memória, mas que também se parecia à característica entoação dos vendedores ambulantes nas ruas de Londres, quando anunciavam bolos quentes e peixe fresco. Porventura, essa semelhança despertou a criatividade do compositor.
Independentemente de tudo isso, Haydn nunca abdicou da matriz clássica de que foi principal mentor. Esta terá sido, inclusivamente, uma das primeiras sinfonias que se tornou repertório e que, por isso, «fez escola». A longa e lenta introdução serve ideias a um Allegro vivaz e espirituoso. O andamento lento desenrola-se numa falsa aparência de tranquilidade, já que é pontuado por diversos momentos de manifesta perturbação expressiva e intensidade dramática. O Minueto são páginas bem humoradas, repletas de contratempos, graciosos maneirismos e efeitos lúdicos que despertam sorrisos na plateia. Por fim, uma Sonata-Rondó que se recreia sobre a repetição episódica da tão emblemática melodia principal desta sinfonia.
Rui Campos Leitão
Imagem: As ruas de Londres na década de 1790 | Desenho de Thomas Rowlandson | © Victoria and Albert Museum, London