Quando Antonín Dvořák foi viver para Nova Iorque, pairava a expectativa de aparecimento de um idioma musical genuinamente americano. Paradoxalmente, o Nacionalismo, enquanto tendência estética que procurava fundamento nos umbigos das diferentes nações, era o movimento artístico mais internacional na derradeira década do século XIX. Só assim se explica que tenha sido possível a um músico imerso na cultura da Boémia – o coração da Europa Central – participar na construção de um paradigma musical para o «Novo Mundo».
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Em 1892 o compositor checo foi convidado pela fundadora do Conservatório Nacional de Música de Nova Iorque, Jeanette Thurber, a deixar a velha Europa e assumir a direção daquela instituição. Tinha cinquenta e um anos de idade e já era uma figura internacionalmente reputada. Partilhava com muitos outros compositores da sua geração o entendimento de que a composição musical deveria ser confluente com a cultura que a rodeava. Este era um ideia que então ditava moda e se assumia como princípio de legitimação da produção artística. A circunstância de se achar inserido numa sociedade distante não só não impediu como reforçou o intuito de Dvořák de prosseguir esse desígnio artístico. Poucas semanas depois de desembarcar começou a escrever aquela que hoje conhecemos como a sua nona sinfonia. Terminou-a no mês de maio do ano seguinte, muito embora tivesse introduzido sucessivas alterações até à data da estreia, que teve lugar em dezembro de 1893 no Carnegie Hall, com o maestro Anton Seidl à frente da Orquestra da Sociedade Filarmónica de Nova Iorque.
A partitura está repleta de melodias autóctones, algumas baseadas em canções escutadas por Dvořák junto de alunos seus, outras inspiradas em referências idealizadas em torno das culturas dos negros e dos índios americanos. São, por isso, recorrentes as escalas pentatónicas e os ritmos sincopados. Ainda assim, tudo o resto – a forma, a orquestração, a harmonia, o contraponto…– é, como não poderia deixar de ser, música europeia, na sua essência. Ao longo dos quatro andamentos apresenta um tema melódico que unifica toda a sinfonia, estabelecendo um estrutura cíclica bastante própria da segunda metade do século XIX. As nove notas que são anunciadas pelas trompas, quase de início, ressurgem espaçadamente ao longo da obra enquanto elemento agregador. Juntam-se-lhe várias outras melodias que reconhecemos de imediato, tal é a popularidade de que goza hoje em dia esta sinfonia. É uma obra plena de entusiasmo pelo «Novo Mundo» mas que não abdica de referências ao passado europeu, desperta para uma nova forma de estar mas sem esquecer a tradição centenária de onde provém.
Rui Campos Leitão