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Romeu e Julieta

A Abertura-Fantasia Romeu e Julieta foi originalmente composta por Tchaikovsky em 1869, sendo revista pelo próprio em duas ocasiões distintas; primeiro em 1870, por sugestão de Balakirev, depois em 1880, resultando assim a versão que hoje conhecemos. Conforme o título indica, baseia-se na célebre tragédia de Shakespeare, na qual o Amor e a Morte andam de mãos dadas. O texto inspirou muitas outras criações musicais, tais como aquelas assinadas por Berlioz e Prokofiev. No caso de Tchaikovsky, resultou numa das mais belas melodias de sempre, essa mesma que entretanto se tornou símbolo da exaltação romântica.

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São pouco menos de vinte minutos de música divididos em cinco partes:  Prelúdio, Exposição, Desenvolvimento, Reexposição e Epílogo. Aparentemente, garantia-se assim o decalcamento dramatúrgico a partir dos cinco atos da tragédia shakespeariana. No entanto, logo se percebe que é um poema sinfónico que não respeita qualquer linearidade narrativa. Em vez disso, assiste-se a uma construção livre que levou o próprio Tchaikovsky a designá-la como Abertura-Fantasia, denotando isso mesmo a espontaneidade e o lirismo que a orientaram – certamente, terá sido nesta obra que o músico se achou mais próximo da estética proposta pelo Grupo dos Cinco, alternativa ao formalismo ocidental. É possível, ainda assim, identificar associações com o enredo. Designadamente, em três tópicos fundamentais: o anúncio do conflito dramático, o arrebatamento amoroso e o culminar em tragédia. Logo de início, instala-se o confronto entre duas ideias musicais contrastantes: na primeira vislumbra-se o confronto entre os Capuleto e os Montéquio; na segunda uma melodia plena de afetação romântica que remete de imediato para o casal amoroso. Estes temas entrelaçam-se progressivamente na parte central do poema sinfónico de maneira a instalar o conflito dramático conducente ao clímax.

Se a música for, efetivamente, capaz de expressar ideias e emoções, estamos diante da obra certa para o comprovar. O tema melódico que pretensamente expressa o amor é uma das melodias mais conhecidas de sempre, de tal modo que até já se tornou cliché no cinema e em séries televisivas. De certo modo, tornou-se símbolo do Amor, um tópico musical que reconhecemos de imediato e que se aplica às suas diferentes facetas, desde a paixão dilacerante à pura impossibilidade. Essa mesma melodia irrompe em vários momentos do poema sinfónico, sempre indiciando o desenvolvimento de um enredo que poderíamos entender como percurso que conduz desde o Amor até à Morte. Apresenta-se de início como um fraseio amplo sobre uma cadência sincopada e compassiva. Evoluiu depois numa disposição mais dispersa, porventura evocativo da hesitação e do pudor feminino. Por fim, assiste-se à reafirmação do primeiro desenho melódico, desta vez com maior opulência orquestral e obstinadamente interrompido pelo primeiro tema musical, como que ilustrando o desfecho trágico.

Rui Campos Leitão