Aaron Copland é o compositor que, por excelência, melhor representa o florescimento da tradição musical clássica nos Estados Unidos da América ao longo do século passado. A sua música apropria-se de uma cultura centenária que nasceu no velho continente, mas expressa genuinamente a identidade norte-americana. Estudou três anos em Paris, no início dos anos 1920, onde assistiu a espetáculos dos Ballets Russes. Não espanta, por isso, a presença da dança no seu catálogo, onde se destacam os bailados Rodeo, Billy the Kid e Appalachian Spring.
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Martha Graham (1894-1991) estreou o bailado Appalachian Spring em 1944, em Washington. A música, assinada por Aaron Copland, foi originalmente composta para a ocasião, ao encontro de um enredo que se inspirava nas tradições rurais da Pensilvânia no século XIX. Graham fundara nos anos 1920 uma escola de dança em Nova Iorque que se distinguiu pela importância dada às raízes culturais norte-americanas. Coreografias como Primitive Mysteries (1931) e American Provincials (1934) inspiravam-se, precisamente, em aspetos ancestrais dessa cultura, atendendo de igual modo aos legados dos povos indígenas e dos colonizadores. Após várias tentativas, a sua companhia de dança conseguiu reunir o apoio financeiro necessário para ter a colaboração de Copland. Foi então enviado um guião que serviu de base para o músico iniciar o seu trabalho, ainda que o tenha sempre feito quase à distância, praticamente até aos derradeiros ensaios.
O libreto retrata uma festa de primavera em torno da inauguração da casa de um jovem casal. Mas por detrás do quadro sentimental e do ambiente nostálgico que atravessa todo o espetáculo, vislumbra-se uma reflexão política sobre a identidade de um povo. Neste sentido, apontam-se as figuras mais emblemáticas daquela tradição, tais como a noiva e o agricultor, seu noivo, os crentes puritanos, o reverendo, a matriarca, o pioneiro, o cidadão e o abolicionista. Evoca-se a vida dessas gentes, a construção das casas, os namoros, os nascimentos das crianças, os casamentos e a guerra. Não por acaso, Copland integrou na sua partitura o hino «Simple Gifts», com o qual se celebrava a alegria de viver no contexto da comunidade religiosa Shakers radicada naquele território. Originalmente composta para treze instrumentos, o próprio compositor estendeu esta instrumentação numa suíte orquestral que destaca as partes mais idílicas do bailado.
Rui Campos Leitão