Em maio de 1747, (o também Grande) Johann Sebastian Bach visitou seu filho Carl Philipp Emanuel, em Berlim. Era oportunidade para se apresentar ao rei e conhecer presencialmente o piano-forte, um instrumento inovador naquela época. O monarca desafiou-o então para improvisar uma fuga a três vozes sobre um tema melódico da sua própria autoria. Assim aconteceu. Mas o músico não se deu por contente. Passado pouco tempo, chegou por correio ao palácio um caderno intitulado Oferenda Musical, o qual incluía um conjunto de peças em que se recreou mais laboriosamente sobre aquela mesma «melodia real».
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J. S. Bach terá visitado a cidade de Berlim em quatro ocasiões ao longo da vida. Duas dessas viagens deram origem a criações musicais que pertencem hoje à mais escolhida «reserva» das dedicatórias que a História da Música nos conta. Em 1719 percorreu a centena e meia de quilómetros que separava Köthen da então capital do Reino da Prússia a mando do príncipe Leopold, para adquirir um cravo produzido na prestigiada oficina de Michael Mietke. Terá então conhecido o Marquês de Brandeburgo, a quem enviou dois anos mais tarde o manuscrito dos seis Concertos Brandeburgueses. Frederico O Grande não teve de esperar tanto tempo. Dois meses bastaram para o compositor preparar um livro impresso que reunia dois Ricercare (um a 3, outro a 6 vozes), dez cânones em que o tema principal é transformado de múltiplas maneiras (no sentido inverso, de trás para a frente, etc.) e uma sonata em trio, para flauta, violino e baixo contínuo, provavelmente pensando num agrupamento formado pelo próprio rei, na flauta, Carl Philipp Emanuel, no cravo, e Franz Benda, no violino.
Nessa década, que seria a última da sua vida, J. S. Bach explorou e desenvolveu técnicas de escrita extremamente complexas, em conjuntos de peças de estrutura cíclica, com desenvolvimentos temáticos e combinações contrapontísticas intelectualmente desafiantes. Resultaram daqui, num primeiro momento, as Variações Goldberg, em 1741. Começou a trabalhar n’A Arte da Fuga em 1745, a qual só viria a ser publicada postumamente. A maior parte do conteúdo do livro Oferenda Musical inscreve-se nesta tendência, o que, juntando-se à motivação original da sua criação, tem suscitado inúmeras especulações sobre o seu verdadeiro propósito, e sobre pretensas referências extramusicais sugeridas implicitamente. Para alguns, trata-se de exercícios eminentemente técnicos, sobretudo focados nos recursos musicais, os quais, porventura, nem se destinariam a ser efetivamente tocados. Outros, não deixam de reparar na incongruência que existe entre o que se esperaria da dedicatória a um monarca – manifestações de louvor exuberantes – e o cunho religioso e introspetivo da obra. Desperta a atenção, ainda, o paradoxo deste encontro. De um lado, o velho Bach, então conotado com um estilo musical antigo, ultrapassado. Do outro, uma das cortes europeias que mais contribuía para a vanguarda musical daqueles anos.