Há evidências de que Joseph Haydn começou a compor algumas das Sinfonias de Londres a partir dos andamentos lentos, incluindo por vezes alusões extramusicais que passam hoje despercebidas. Planearia depois os restantes andamentos, de maneira a garantir o enquadramento mais ajustado. Assim terá acontecido com a Sinfonia N.º 101. O público londrino logo reconheceu naquele segundo andamento o característico som do tique-taque. Ficou então conhecida como Sinfonia d’O Relógio.
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A Sinfonia N.º 101 integra o grupo de seis sinfonias que Haydn destinou à sua segunda temporada em Londres, entre fevereiro de 1794 e agosto do ano seguinte. Desde a visita anterior, nesse ano e meio que permaneceu em Viena, as ideias jorravam na sua imaginação, fruto do entusiasmo que trouxera da primeira experiência e, sobretudo, do inesperado fulgor que a sua carreira recuperou, quando já apontava aos sessenta anos de idade. Tal jovialidade sente-se deste o primeiro até ao último compasso, o que contribuiu para que se tenha tornado numa das suas sinfonias mais populares; desde logo, aquando da primeira audição na capital inglesa. Aconteceu num dia frio de março, num extraordinário concerto que incluiu ainda a prestigiada voz do baixo Ludwig Fischer em árias de óperas avulsas, o virtuosismo do violinista Giovanni Battista Viotti e demais atrações. Após o intervalo, ouviu-se a estreia da sinfonia de Haydn. A julgar pelas críticas da imprensa, terá sido o momento mais acalorado do sarau.
Como na maioria das sinfonias de Londres, a Sinfonia d’O Relógio inicia com um introdução lenta, algo tensa e sombria. Não passa, todavia, da expectativa que prepara terreno para um primeiro andamento pleno de vivacidade que convoca todos os naipes da orquestra para uma animada troca de argumentos em torno de motivos melódicos sempre curtos e ritmos dançáveis. Segue-se então a espitiruosidade do Andante, no qual uma melodia que logo apetece trautear se desdobra em variações ora de caráter jocoso ora dramático e que se faz sempre acompanhar da tal pulsação que muitos garantem mimetizar o som curto e preciso do mecanismo de um relógio. Já no Minueto, a orquestra transfigura o encanto e a elegância que associamos de imediato aos salões vienenses setecentistas. Há lugar para surpresas, tais como mudanças de tonalidade e passagens inesperadas, o que bem revela o sentido de humor e a boa disposição criativa do compositor. O Finale da sinfonia precipita-se numa vivacidade rítmica contagiante, pontuada pelo uso ostensivo de contratempos e acordes contundentes. Conclui-se assim um sinfonia extraordinariamente sofisticada para o seu tempo e sobretudo, uma disposição anímica que coloca em evidência que chamar «música séria» à música do classicismo musical parece por vezes um despropósito.
Rui Campos Leitão
Imagem: Relógio inglês do século XVII. Fonte: Timelessmoon