Tendo em conta a preferência dos melómanos, há poucos concertos para violino do século XIX que se aproximam da aprovação unânime. São os casos do Op. 64 de Mendelssohn (1844), do Op. 77 de Brahms (1878) e do Op. 35 de Tchaikovsky (1878). Mas o primeiro de todos, aquele que se tornou autêntico modelo, foi o Op. 61 de Beethoven, datado de 1806. Por isso, costumam chamar-lhe «O rei dos concertos».
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O Concerto para Violino de Ludwig van Beethoven foi composto em 1806, numa altura em que as tropas napoleónicas ocupavam a cidade de Viena e no intervalo de tempo que separou a criação das Sinfonias N.º 4 e N.º 5. A encomenda foi feita por Franz Clement, violinista que também era maestro do Theater an der Wien, mas sobretudo conhecido pelo aparato virtuosístico das suas atuações enquanto intérprete, para lá de uma capacidade expressiva invulgar. Curiosamente, a obra não conquistou de imediato a simpatia do público, o que se deveu a várias circunstâncias. Desde logo, em virtude de Beethoven ter dado por concluída a partitura apenas dois dias antes da data marcada para a estreia. Tal não seria problema se se tratasse de um concerto para piano, já que seria o próprio compositor quem tocava. Porém, não era este o caso, o que obrigou Clement a ler à primeira vista longos excertos no decorrer dessa primeira apresentação pública. Para que a obra se revelasse ao mundo, houve que esperar até 1844, quando o então jovem Joseph Joachim (o mesmo violinista que ajudou Brahms a apurar a parte solista do seu concerto) a tocou em Londres sob direção de Mendelssohn.
Aquela estranheza inicial seria também resultado de expectativas moldadas no formato Concerto que se conhecia até então; com maior previsibilidade discursiva, um planeamento formal rigoroso e a contraposição evidente entre solista e orquestra que conhecemos de Mozart e de outros compositores da segunda metade do século XVIII. Como exemplo, deparamo-nos neste caso com a extensão invulgar da introdução orquestral, deixando o solista pendente durante mais de três minutos. Vislumbra-se assim a propensão romântica para aproximar o Concerto da dimensão sinfónica, o que também se reflete na duração total da obra. Por outro lado, o solista não se limita ao exibicionismo técnico. Mantém na maior parte do tempo uma postura de contínuo diálogo com a orquestra, plena de elegância e lirismo, como se vagueasse sem rumo durante todo o tempo, e não sem algum mistério. Os dois primeiros andamentos surpreendem pela solenidade e pela tranquilidade, respetivamente. No caso do segundo, assiste-se a uma postura sonhadora ao longo de quatro variações sobre uma melodia com caráter de hino que o solista explora com profundidade. Por fim, o último andamento parece resolver todos os impasses, com ritmos dançáveis e bem humorados.