O Concerto para Oboé e Orquestra em Dó Maior é o único concerto que W. A. Mozart dedicou a este instrumento. Mas é também uma obra incontornável no repertório dos oboístas. Composto no verão de 1777, explora exaustivamente os recursos sonoros que então se tornaram possíveis graças às inovações introduzidas pelos luthiers. Durante mais de um século pensou-se que a partitura estaria perdida, até que em 1920 foi descoberto em Salzburgo um manuscrito revelador. Afinal, o célebre Concerto para Flauta N.º 2 KV 314 era resultado de uma transcrição daquela «misteriosa» obra.
**
As cartas da família Mozart permitem hoje reconstituir a atribulada história do Concerto para Oboé de Mozart. Foi originalmente escrito para Giuseppe Ferlendis, um oboísta natural de Bergamo que se juntou à orquestra do Arcebispo de Salzburgo em abril de 1777. Todavia, Mozart partiu da cidade no mês de setembro seguinte, para empreender mais uma digressão pela Europa. Já em Mannheim, no final de outubro, conheceu Friedrich Ramm. Este outro oboísta, que integrava a orquestra da corte local, passou então a tocar o mesmo concerto quase sempre que se apresentava em público na condição de solista. Pouco tempo mais tarde, Mozart achou-se pressionado pela encomenda de um conjunto de obras destinadas a um flautista amador com vastos recursos financeiros. Seriam três pequenos concertos para flauta e várias obras de câmara. Assoberbado de trabalho, o compositor não conseguiu satisfazer o compromisso, optando por transcrever o concerto, agora na tonalidade de Ré Maior e com substanciais alterações, tendo em atenção as especificidades técnicas e expressivas de cada um dos instrumentos. A versão original ainda voltou a ser tocada em 1783, por um oboísta da orquestra de Esterháza, mas permaneceu esquecida daí em diante. Desfeito o mistério, explica-se assim a prevalência de registos tão agudos no Concerto para Flauta, entre outros detalhes.
Desde que a corte do Rei Luís XIV abriu as portas dos salões aos sopros madeiras – que são por natureza mais propícios a ambientes reservados –, o oboé sofreu profundas transformações, sobretudo em meados do século XVIII. As novas técnicas de construção trouxeram melhoramentos tímbricos e um controle mais preciso da amplitude sonora. Na mesma assentada, a execuçãotornou-se mais difícil, com dedilhações complexas e maior sensibilidade no ajuste da afinação. Ajustava-se melhor, no entanto, ao estilo musical então emergente, o qual se espelha na fluidez e equilíbrio formal deste concerto. Com os convencionais três andamentos e uma orquestração cristalina, oferece-se ao solista todas as condições para brilhar. O primeiro andamento tem início com a tradicional exposição protagonizada pela orquestra. Abre-se então caminho a sucessivas elaborações dos temas por parte do solista, com numerosos apontamentos virtuosísticos que culminam na sempre esperada cadência. O andamento lento é um Adagio que se assemelha a uma ária de ópera. Após uma introdução orquestral solene, o oboé parece assumir o papel de cantor lírico, mas diluindo as palavras na peculiaridade do seu recorte tímbrico, sempre sereno, mas resoluto. Por fim, no Rondó final, o tema melódico principal, prontamente apresentado pelo solista, serve de base a sucessivos episódios que garantem a exuberância indispensável a um concerto daquela época. Não por acaso, Mozart recuperou essa mesma melodia 5 anos mais tarde numa ária da ópera O Rapto do Serralho.
Rui Campos Leitão