Para apreciar plenamente o Concerto para Clarinete de Jean Françaix, é bom saber que se trata de uma das obras mais difíceis alguma vez escritas para este instrumento. Não é que o virtuosismo garanta, por si só, um bom resultado artístico. Porém, quando é colocado ao serviço de um discurso coerente e expressivo, como acontece neste caso, produz um efeito distintivo.
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Este concerto foi escrito há pouco mais de meio século. Nessa época, foi considerado por muitos especialistas como praticamente «intocável», ao ponto de lhe prenunciarem a necessidade de esperar por significativos desenvolvimentos técnicos do instrumento para se tornar frequente nas salas de concerto. Em boa medida, isso deve-se ao facto de ter sido escrita para um grande clarinetista, Jacques Lancelot. O seu virtuosismo, aliado a uma sonoridade límpida em todos os registos, fizeram deste músico uma das principais referências do clarinete na segunda metade do século XX. Percebe-se, assim, que a interpretação deste concerto seja hoje considerada pelos jovens clarinetistas virtuosos como um desafio irresistível; uma verdadeira oportunidade de afirmação.
Também francês, Jean Françaix foi um compositor e pianista que morreu em 1997. É hoje um nome praticamente desconhecido para a maior parte das pessoas, isto apesar de ter composto centenas de obras de grande qualidade. Não foi seguramente um músico que tenha apresentado soluções inovadoras ao mundo da criação musical; o recurso às formas tradicionais da música clássica é uma das principais marcas da sua identidade criativa. Porém, cultivou uma estética genuinamente pessoal em que as referências «emprestadas» de outros tempos e de outras realidades se diluem numa linguagem própria, indiscutivelmente sua. Nesta obra ressaltam duas das suas principais características enquanto compositor: o extraordinário domínio dos recursos da orquestra e a forma como sempre procurou conhecer profundamente os instrumentos para que se propôs escrever.
Rui Campos Leitão