O Boi no Telhado é uma obra orquestral que foi composta em 1920 por Darius Milhaud. Foi inicialmente pensada enquanto acompanhamento sonoro de um filme mudo de Charlie Chaplin, mas acabou por juntar-se a uma peça de teatro e dança com personagens tão estranhas como um anão, um pugilista e uma mulher vestida de homem. Consiste numa «colagem» de vinte e oito melodias brasileiras. O título da partitura é emprestado, precisamente, de uma dessas melodias, a qual se tornou popular no Carnaval do Rio de Janeiro em 1918. Era então cantada por um músico conhecido pelo nome de Zé Boiadeiro.
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O compositor francês Darius Milhaud viveu no Brasil durante quase dois anos – em 1917 e 1918 –, integrado numa missão diplomática estabelecida no Rio de Janeiro. Essa experiência proporcionou-lhe um fascínio pela cultura deste país que veio a replicar-se em várias composições, entre elas O Boi no Telhado. Trata-se aqui de uma «pequena sinfonia carnavalesca», uma fantasia sobre ritmos brasileiros onde reinam as referências do tango e do maxixe. Hoje em dia, ouve-se com frequência nas salas de concerto de todo o mundo, como verdadeira peça de repertório. Porém, a sua origem foi tudo menos convencional. Foi inicialmente pensada para acompanhar um filme mudo de Charlie Chapin, do que resultou uma versão para violino e piano intitulada Cinéma-fantaisie. Acabou, porém, por ser estreada num espetáculo cénico, uma farsa surrealista com guião de Jean Cocteau.
Ao contrário do que o título sugere, não se trata de uma história protagonizada por um boi que a dada altura se depara no cimo de um telhado. Afinal, tudo se desenrola numa sequência de cenas inusitadas que se passam num bar norte-americano no contexto da (então recente) Lei Seca. Ainda assim, Cocteau não se importou de que a música fosse inspirada na música popular brasileira – fez questão, inclusivamente, de que todos soubessem que nunca estivera antes nos Estados Unidos. Os cenários foram desenhados pelo pintor fauvista Raoul Dufy e a coreografia confiada a Leonide Massine, sendo esta muito lenta, de maneira a contrastar grotescamente com a vitalidade da componente musical. A tudo isto, juntou-se ainda o contributo dos irmãos Fratellini, os famosos comediantes que subiram ao palco do Teatro La Comédie des Champs-Elysées naquele mês de fevereiro de 1920.
Curiosamente, há um verdadeiro bar cuja história está ligada a este obra. Tinha o nome de Gaya e localizava-se a dez minutos a pé da Torre Eiffel. Esse espaço, que também era um cabaré onde se podia ouvir Jazz, Bach ou a Parade de Satie, era um dos principais pontos de encontro da eclética comunidade artística parisiense da época, entre a qual se incluíam as figuras de Cocteau, Picasso, Diaghilev, Poulenc, Stravinsky… Darius Milhaud tocava aí frequentemente esta mesma obra ao violino, fazendo-se acompanhar por Georges Auric, e até mesmo por Arthur Rubinstein. Não se estranha por isso que o Gaya se tenha passado a chamar Le Bœuf sur le toit. Historicamente, tornou-se num dos lugares mais icónicos do período entre-guerras em Paris.