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Música no Feminino

Se nos propusermos situar a Serenata em Mi Menor de Edward Elgar num enquadramento binário do tipo feminino/masculino – algo semelhante à dualidade dos conceitos taoístas Yin e Yang – é bem possível optarmos pela primeira vertente. Este é um exercício especulativo, necessariamente. Mas não deixa de ser verdade que as mulheres «moldaram» esta partitura.

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Relativamente à Sinfonia e ao Concerto, a Serenata consiste num género mais descontraído. Aparece muitas vezes associado a ocasiões de entretenimento, numa posição algo híbrida entre a música de câmara e a música orquestral. No caso da Serenata em Mi Menor de Edward Elgar, trata-se de uma composição originalmente escrita para um agrupamento exclusivamente composto pelas cordas da orquestra – os violinos, as violas, os violoncelos e os contrabaixos. O conjunto destes instrumentos proporciona uma sonoridade muito própria, pois a coesão tímbrica que resulta da combinação exclusiva de uma só família de instrumentos favorece a clareza do discurso musical e proporciona uma identidade expressiva inconfundível. São estas as qualidades que têm vindo a seduzir inúmeros compositores ao longo da História, levando-os a acrescentar nos seus catálogos obras pensadas para este dispositivo instrumental. Muitas delas tornaram-se universalmente célebres, como aqui acontece.

A Serenata para Cordas terá tido origem em 1888, numa altura em que Elgar ainda não havia composto as Variações Enigma nem o Concerto para Violoncelo, as obras que lhe valeram a notoriedade pública. Elgar tinha ido viver para uma localidade próxima de Worcester (Inglaterra) no início da década de 1880. Aí trabalhou como diretor musical de orquestras amadoras. Um desses agrupamentos era a Classe de Orquestra das Mulheres de Worcester, para quem escreveu três peças. Essas partituras perderam-se, mas a Serenata que hoje conhecemos resultou da revisão do mesmo trabalho. Muito embora os títulos das peças não se tenham mantido – eram (1) «Canção de Primavera», (2) «Elegia» e (3) «Finale» –, é possível estabelecer uma correspondência credível com a Serenata concluída na primavera de 1892. Por sua vez, esta recreação terá tido como propósito assinalar o 3.º aniversário do casamento do músico com a escritora Alice Roberts. Reforça-se assim a ligação desta composição com as mulheres.

A estrutura consiste na habitual sequência de andamentos rápido-lento-rápido. Na vez da «Canção da Primavera», o primeiro aparece indicado como Allegro piacevole (Alegre prazeroso). Com dois temas melódicos belíssimos, transmite um sentimentalismo bucólico a que ninguém fica indiferente. O segundo andamento já não se chama «Elegia», mas é a secção mais lamentosa. As reincidências do desenho melódico e as sucessivas suspensões de tempo geram tensões que acentuam o dramatismo. Por fim, o último andamento tem afinidades com o primeiro, denunciando o desenvolvimento cíclico que garante o equilíbrio formal da partitura.

A primeira apresentação pública só aconteceria em 1896, em New Brighton, sob direção do próprio compositor. Sempre foi uma das suas criações preferidas. Quis o destino que viesse a última obra que gravou em disco, poucos meses antes da morte, em 1934.

 

Rui Campos Leitão

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