Originalmente composta como uma suíte para piano a quatro mãos, em 1908, Ma mère l’Oye foi primeiro orquestrada por Ravel, e depois transformada num bailado, em 1911, a pedido de Jacques Rouché. Nessa ocasião, Ravel acrescentou no início um Prelúdio e a Dança da Roda e Cena, e alterou ainda a ordem das peças. O bailado passou a acompanhar-se de um argumento detalhado que complementa as citações que se lêem no topo de cada peça da suíte, as quais são extraídas de contos de Charles Perrault (O Pequeno Polegarzinho, A Bela Adormecida), de Madame d’Aulnoy (Laideronnette, A Imperatriz dos Pagodes, tirados de A Serpente Verde) ou de Madame de Beaumont (As Conversas da Bela e do Monstro). Ravel entrecruza habilmente as histórias d’A Bela Adormecida, d’A Serpente Verde e d’A Bela e do Monstro para construir a coerência dramática do bailado: desde a princesa que se pica no fuso até à chegada do Príncipe Encantado.
Parece que o imaginário dos contos de fadas inspirou toda a fantasia na orquestração de Ravel. O próprio orgulhava-se muito do início da Pavana: quando o tema de flauta é pontuado pelas trompas, sobre os pizzicati das viola. «Eles tocarão as mesmas notas, mas eu introduzi uma nuance no piano», explicou Ravel a Manuel Rosenthal, «e a trompa irá amparar os pizzicati das violas com o seu som velado. Ouviremos então outra coisa que não é a trompa, mas não saberemos o que é. É assim: orquestração é isto mesmo». Em Laideronnette concentra-se todo o exotismo do bailado: o modo pentatónico que corresponde às teclas pretas do piano, sinos que soam na celesta e no xilofone, a magia dos timbres reaparece quando o bailado termina, numa página misteriosa e séria que irrompe desta vez das cordas, num jardim de fantasia, antevendo L’Enfant et les sortilèges.
Lucie Kayas
[Tradução de Rui Campos Leitão]