O pensamento estético de Richard Wagner é incontornável num debate amplo sobre a cultura musical europeia na segunda metade do século XIX. Renegava então a escrita musical artificiosa, imotivada e sem dramaticidade. Suscitou as mais calorosas discussões, a maioria das quais opondo o «espírito ilustrado germânico» ao pretenso «facilitismo piegas italiano». Paradoxalmente, e porque é difícil separar a percurso artístico de Wagner da sua vida pessoal, o Idílio de Siegfried resultou de uma espécie de serenata dedicada a uma mulher.
**
O Idílio de Siegfried foi escrito em 1870 com o propósito de presentear Cosima Liszt, filha de Franz Liszt. Esta era uma relação amorosa que Richard e Cosima mantinham havia já seis anos e que já tinha resultado na dissolução de um casamento e no nascimento de três filhos ilegítimos, circunstâncias que forçaram o casamento, no verão desse mesmo ano. A peça foi interpretada pela primeira vez numa ocasião privada em que, em jeito de surpresa, uma orquestra despertou o sono de Cosima em dia de aniversário, coincidente com o dia de Natal. Cosima escreveu assim no diário:
«Quando despertei, ouvi um som que ia crescendo cada vez mais, até já não conseguir confundi-lo com um sonho. Estavam a tocar música, e que música! Quando terminaram, Richard veio até junto de mim com os cinco filhos e pôs-me nas mãos a partitura do seu ‘presente de aniversário sinfónico’. Eu estava em lágrimas, assim como estavam todos; Richard tinha colocado a sua orquestra junto à escadaria e consagrou dessa maneira a nossa Tribschen para sempre! Idílio de Tribschen – chamava-se assim a obra…»
Tribschen era o nome da vila onde o casal se instalara, nas margens do Lago dos Quatro Cantões, perto de Lucerna. Alguns anos mais tarde, quando o compositor resolveu tornar pública a partitura, deu-lhe um novo título – Idílio de Siegfried. Evocava simultaneamente o nome do mais novo dos três filhos do casal e O Anel dos Nibelungos, a terceira das quatro óperas da tetralogia.
Rui Campos Leitão