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A Sinfonia Italiana ilustra bem a posição de Mendelssohn no quadro musical do século XIX. Apesar de ter contribuído enormemente para a celebridade do autor, não era bastante para o vincular ao cânone sinfónico austro-germânico de Haydn, Mozart e Beethoven. Talvez por isso tenha sido revista pelo próprio logo em 1834, o ano seguinte à estreia. Nunca a deu por concluída.
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Independentemente da escrita brilhante e singular que a distingue, a Sinfonia Italiana não corresponde linearmente à orientação idealista que vingou na historiografia. No rescaldo da Nona Sinfonia de Beethoven (1824), Mendelssohn não assumira a inclinação estética vanguardista que teria sido, porventura, mais valorizada. Em grosso modo, não era visto como herdeiro da Primeira Escola de Viena. Talvez por isso, em virtude desse estigma, a relação de Mendelssohn com esta sinfonia não era cómoda. Logo após a estreia, deu início a um processo de revisão, do qual ressaltam diferenças notórias para quem está familiarizado com a versão «original» – aquela que é quase sempre tocada. Ainda que se mantenham semelhantes, os temas melódicos do segundo andamento sofrem pequenas inflexões que causam estranheza. Também são substancialmente alterados alguns detalhes na orquestração, e as transições entre secções são «reinventadas». A secção intermédia do Minueto (o Trio) torna-se bastante mais dramática. Entre outras de âmbito harmónico, as alterações mais evidentes surgem no último andamento, na busca de maior congruência entre os conteúdos da exposição, do desenvolvimento e, sobretudo, da reexposição. Mendelssohn tinha a intenção de também rever o primeiro andamento. Só não o fez porque seria um processo amplo que requereria mais tempo de trabalho. Neste sentido, a Sinfonia Italiana é uma sinfonia inacabada.
As hesitações de Mendelssohn contrastavam com a receção efusiva do público da época. Para lá disso, as alterações que partilhou com os mais próximos também não entusiasmaram, entre eles a sua irmã Fanny. Nunca assumiu plenamente a obra. No início da década de 1840 não a considerava sequer como parte do seu catálogo. Ainda assim, uma reconstituição feita com base nas partes instrumentais da estreia londrina permitiu a primeira edição (póstuma), em 1851. Em resultado das dúvidas e da procrastinação do autor, foi esta a versão que vingou nas salas de concerto. A versão de 1834 acrescenta perguntas sobre o conceito de perfeição, ou a salutar insatisfação do artista.
Rui Campos Leitão