Henri Tomasi (1901-1971) cresceu na cidade francesa de Marselha e passou, em criança, os períodos de férias nas praias da Córsega. Isso explica, em parte, a efusão sonora que irradia das suas partituras, como se as aragens do Mediterrâneo ecoassem na sua música. Apesar de ser um reputado pianista, os instrumentos de sopro assumem particular relevo no seu legado enquanto compositor. São disso exemplo as «Fanfarras Litúrgicas» que extraiu da ópera Don Juan de Mañara.
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A ópera Don Juan de Mañara de Henri Tomasi foi composta em 1944, mas só veio a estrear em 1952, em Paris. O enredo baseia-se no mito de Don Juan, e em particular numa peça teatral intitulada Miguel Mañara que o russo Oscar Venceslas de Lubicz-Milosz assinou em 1913. Coloca em cena a vida de um homem rico e arrogante que se arrepende no final da vida e se converte espiritualmente, tornando-se monge. As quatro Fanfarras Litúrgicas são adaptações de excertos da ópera em que o som dos metais da orquestra sobressai. A primeira, Anunciação, tem origem no terceiro ato, mais precisamente no momento em que Miguel renuncia à devassidão. Num género híbrido, entre a suíte e a sinfonia, prosseguimos então com Evangelho, um andamento lento que evoca a leitura dos textos sagrados por intermédio do som do trombone. Já Apocalipse apresenta-se como um Scherzo e corresponde ao momento em que Miguel resiste às tentações mundanas. Tudo aqui decorre numa narrativa fragmentada em que os diferentes naipes instrumentais se confrontam com ímpeto. Por fim, retrata-se um procissão católica na cidade de Sevilha, a Procissão de Sexta-Feira Santa. Ao passar da marcha sombria dos penitentes, escutam-se as palavras de um espírito celeste que guia a dor e a comoção de Miguel. Numa versão diferente destas mesmas Fanfarras é possível ouvirmos aqui uma voz de soprano. Por fim, irrompe um hino proveniente da Córsega e que, neste contexto, celebra a redenção do homem.