As duas peças que se juntam no Op. 34 de Edvard Grieg foram as primeiras partituras para orquestra de cordas que o músico viu publicadas. Ambas resultam da orquestração de canções para voz e piano compostas na década de 1870 sobre poemas de Aasmund Olavsson Vinje, um escritor também norueguês que falecera pouco tempo antes. Assim, nestas Duas Melodias Elegíacas vislumbram-se palavras que falam de sofrimento e de morte, mas com uma paz de espírito que só as alegorias da natureza alcançam. A música toma-lhes o lugar, e acrescenta-lhes coisas que sempre ficam por dizer.
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Quando ouviu pela primeira vez as Duas Melodias Elegíacas, Claude Debussy terá dito algo parecido com o seguinte: «Quão melodiosas são as Duas Melodias Elegíacas para cordas… Em Grieg, tudo se prolonga, como naqueles antigos chupa-chupas que podíamos comprar nas feiras populares. [Cada andamento começa] com uma pequena frase inocente que nos acompanha ao longo de toda a peça. Pelo caminho atravessam-se acordes exuberantes por detrás dos quais esconde a sua nudez.» Esta é uma maneira bastante curiosa de descrever a música de Edvard Grieg. Mas ajusta-se na perfeição à estranha combinação de graciosidade e dramatismo que o distingue de todos os compositores que fizeram carreira nas últimas décadas do século romântico.
Trata-se, neste caso, de duas transcrições para orquestra de cordas de melodias pré-existentes, designadamente, duas das canções que havia composto sobre poemas de Aasmund Olavsson Vinje (1818-70) entre 1873 e 1880. Essas doze canções também foram publicadas em 1881, enquanto Op. 33, pela mesma altura das (exclusivamente instrumentais) Duas Melodias Elegíacas, o Op. 34. Estas últimas são particularmente expressivas. Desenvolvem-se sobre uma emotividade velada, evocativa da superação do sofrimento e da ideia de que a vida é um momento de passagem que nos conduz ao inevitável e derradeiro momento – não é por acaso que a segunda é, ainda hoje, muito frequentemente tocada em cerimónias fúnebres, na Noruega. Apesar de Grieg ter alterado ligeiramente os títulos originais dos poemas («Feridas do Coração» na vez de «Ferida»; «Última Primavera» na vez de «Primavera»), as melodias e o planeamento harmónico parecem seguir bastante de perto a estrutura dos poemas originais. Vale a pena, portanto, a leitura dos mesmos.
Ferida
Meu coração conheceu as lutas da vida
E sofreu inarráveis golpes;
Abalado, doente e tantas vezes ferido,
Manteve-se, ainda assim,
Vivo no jogo, até hoje.
Ano após ano, de rombo em rombo
Sofrido em tantos lugares,
Entrega-se a cada primavera,
Quando as folhas brotam e o gelo derrete
Quando o cuco chama do seu ramo.
E as flores continuam a despontar,
Mas cada uma tornou-se lágrima.
O mesmo acontece com a terra:
quando a chuva e o orvalho caem do céu,
as flores nascem das feridas.
Primavera
Deus permitiu-me voltar a ver a primavera,
O inverno terminou;
E pude vê-la brotar de novo
As árvores em folha! ….
Deus permitiu-me voltar a vê-la,
O gelo e a neve
Fundem-se com estrépito e transformam-se em torrentes
No leito dos rios;
Contemplei novamente os prados
As flores da primavera,
Ouvi de novo na floresta
Canções de esperança!
Deus permitiu-me voltar a ver o sol
Aquecer o prado,
Onde as borboletas esvoaçam graciosamente
Sobre todas as pétalas! ….
Mas a primavera que a seu tempo desaparece
Deixa-me triste.
Voltarei a contemplar
Esses dias de encanto?
Toda a felicidade neste mundo tem o seu fim,
A minha vida teve os seus encantos.
Aqui de baixo, uma vez que tive o meu quinhão de graças,
Com que razão me lamentaria?
Rui Campos Leitão