A Sinfonia N.º 4 de Franz Schubert foi intitulada de «Trágica» pelo próprio compositor, já depois de concluída. Todavia, o sentimento que prevalece após a audição dos quatro andamentos não se espelha em qualquer ideia de tragédia.
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A chave da interpretação desta obra poderá estar na observação da alternância entre emoções contraditórias. Atropelam-se estados de espírito divergentes numa ambiguidade que busca conforto no melhor de dois mundos aparentemente inconciliáveis. É certo que o início poderia ser o da Abertura de uma ópera séria. Porém, logo se desfaz a expetativa, com um primeiro tema melódico cheio de agilidade. Precipita-se depois uma série de acordes que muitos adjetivam de «extravagantes».
Deste modo, e ainda que sem dramatismo excessivo, a inquietação instala-se, no confronto entre a luz e as trevas, uma imagem que nos permite evocar a personalidade de um compositor cuja biografia ainda hoje esconde vários mistérios. Ao longo da vida – curta, mas muito intensa –, Schubert conciliou a degradação moral e o sublime artístico, a desgraça e o fulgor da existência, a concisão dos lieder e a monumentalidade das sinfonias.
Rui Campos Leitão