Concerto para Trompete e Orquestra
(estreia absoluta a 18 de maio de 2025)
Texto da autoria da compositora Anne Victorino d’Almeida – 6 de maio de 2025
O Concerto para Trompete e Orquestra, dedicado a Paul Merkelo, surge na sequência de três acontecimentos fortemente marcantes na minha vida.
O primeiro foi o feliz encontro com o Paul em 2022, em Lisboa. A afinidade musical que rapidamente se fez sentir despertou a vontade mútua de a celebrar, através da obra que hoje se estreia. A música tem esta extraordinária proeza de aproximar pessoas, criar laços, fortalecer relações humanas, marcar o tempo e enriquecer memórias.
Este concerto é também o meu opus 100, um registo que permite olhar para trás e reconhecer o quão belo e desafiante tem sido este percurso, com uma profunda gratidão por todos os músicos que têm interpretado e defendido a minha música com tanta generosidade.
Por fim, hesitei muito — mesmo muito — antes de partilhar o que acabou por marcar o processo de criação deste concerto. Há histórias que guardamos para nós, pela sua intimidade e o que representam nas nossas vidas, mas finalmente decidi contá-la.
Comecei a escrever esta obra em maio de 2023, repleta de motivação, estando a estrutura do concerto já delineada. A barra dupla do primeiro andamento foi colocada no dia 3 de julho desse ano. Nada fazia prever que, no dia seguinte, 4 de julho, receberia a notícia de que uma doença levaria a minha Mãe em poucos meses.
Não foi apenas a estrutura da obra que se desmoronou. Foi o coração, a alma, o discernimento, um amor que crescia à medida que a esperança se desfazia, juntamente com a ansiedade de se aproximar o dia em que aquele número de telefone, que eu digitava todos os dias, deixasse de existir. As teclas tinham um som, umas notas que formavam uma melodia que eu estava habituada a ouvir diariamente.
E assim nasceu o segundo andamento, longe de qualquer estrutura formal, apenas guiada pela saudade do presente e de uma simples chamada. Após a introdução dos sinos, a melodia do trompete, desenvolvida posteriormente pela orquestra, corresponde à sucessão das teclas que compunham o seu número de telefone.
O terceiro andamento traduz uma obsessão, um turbilhão que busca de forma atordoada uma qualquer terapia para superar esse tropeço da vida.
A minha Mãe ainda conseguiu ouvir a versão MIDI da obra. No limite das suas forças, sorriu e disse: «C’est bien.»
Foto: Anne Victorino d’Almeida
© Foto de João Vasco