Um dos momentos que mais se destaca na biografia artística de Maurice Ravel é a digressão de quatro meses que realizou na América do Norte em 1928. Não são fruto do acaso, portanto, as harmonias do Blues e os ritmos sincopados do Jazz que se reconhecem no Concerto para Piano em Sol Maior. Assim foi o fascínio do compositor francês pelo Novo Mundo.
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Em 1928, Maurice Ravel apresentou-se várias vezes enquanto maestro, pianista e compositor em cidades dos Estados Unidos e do Canadá. Deu entrevistas e conferências, garantindo uma notoriedade pública que também se traduziu no acrescentado prestígio de que passou a gozar em toda a Europa. O Concerto para Piano em Sol Maior reporta a esse período. É uma obra que todos os pianistas gostam de tocar, por se tratar de música feita por um compositor que conhecia particularmente bem o instrumento. Nalgumas partes traduz-se num tributo a Mozart e a Saint-Saëns. Noutras sobressaem sonoridades que relacionamos com Gershwin, consequentemente com «notas» de Blues e de Jazz.
Foi estreado em janeiro de 1932 na Salle Pleyel, em Paris, com a Orquestra Lamoureux. Para lá do Concerto, Ravel dirigiu também a Pavane pour une infante défunte e o Boléro. Facto curioso, o restante programa foi dirigido por Pedro de Freitas Branco, a convite do próprio Ravel. O jovem maestro português dirigiu na segunda parte a Suíte N.º 2 de Daphnis e Chloé, La valse e a Rapsodie espagnole. A parte solista foi confiada a Marguerite Long, a mesma pianista que estreara catorze anos antes Le tombeau de Couperin.
Inicialmente, Ravel pretendia apenas escrever um divertissement para o próprio tocar. Porém, a coincidência temporal da encomenda do Concerto para Piano para Mão Esquerda, destinado ao austríaco Paul Wittgenstein, terá contribuído para desviar o rumo da composição, designadamente em função do formato de Concerto. Acabou por propor a sua estreia a Marguerite Long. Anos mais tarde, a propósito da ocasião em que dedilhou pela primeira vez o manuscrito, Long testemunhou um episódio com o qual todos nos poderemos identificar. Referia-se às lágrimas que lhe vieram aos olhos naquele momento em que, a meio do segundo andamento, o piano se abandona em vagas sugestões de arpejos para dar lugar ao corne inglês – ajuda saber que Ravel revelou ter-se inspirado no andamento lento do Quinteto com Clarinete de Mozart.
O primeiro e o último andamentos têm um caráter absolutamente contrastante. Traduzem a energia e o entusiasmo que Ravel terá experimentado junto da cena jazzística de Nova Orleães e de Harlem (Manhattan), alternando entre os contratempos do Ragtime e escalas dolentes emprestadas do Blues. O último andamento assemelha-se a uma Tocata em que o virtuosismo do solista dialoga com uma orquestração exuberante.
Rui Campos Leitão