A obra de Beethoven situa-se no eixo de transição entre os períodos Clássico e Romântico. No contexto dessa mudança estilística, este terceiro Concerto para Piano e Orquestra é um exemplo particularmente representativo. Nele se vislumbra a presença da figura de Mozart, mas logo se tornam evidentes opções de escrita que só Beethoven poderia assinar. Poderá entender-se como uma homenagem de um dos maiores nomes da História da Música dirigida a outro de equivalente estatura.
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A referência às obras que Beethoven compôs nos anos seguintes à sua radicação na cidade de Viena, em 1792, coincide frequentemente com a alusão a Wolfgang Amadeus de Mozart, falecido no ano anterior. Com esse enquadramento, são recorrentes dois raciocínios que parecem contraditórios, mas que revelam as faces de uma mesma moeda. Por um lado o compositor alemão baseava-se em formatos de escrita do seu antecessor, tantas vezes optando por tonalidades e estratégias de composição moldadas nas suas partituras e com dispositivos instrumentais praticamente idênticos. Por outro, esse era um procedimento que tinha como propósito ir mais além. Pretendia buscar competências e soluções inéditas, o que combina melhor com o ideal do génio romântico.
Não se trata, portanto, de uma atitude subserviente diante do mestre ou, em sentido contrário, de uma rivalidade motivada pela irreverência da juventude. Era bastante mais do que isso. Beethoven exercitava competências consumando uma aprendizagem que lhe permitia demonstrar aos outros – e a si próprio – as extraordinárias qualidades tinha como compositor, para lá do estatuto de pianista virtuoso que todos admiravam, portanto. Ultrapassada essa etapa, estavam reunidas as condições para se aventurar em voos mais altos e arriscar ruturas com o passado, de maneira a garantir uma mais estreita identificação com a disposição do homem moderno que integrava as repercussões da Revolução Francesa. Para lá disso, era também uma prova da sua consciência histórica. Enquanto Mozart jazia numa vala comum, Beethoven tocava os seus concertos, emprestando-lhes uma memória que ainda hoje cultivamos. Simultaneamente, consolidava uma forte convicção sobre a intemporalidade da obra artística, o que ajuda a compreender a sua postura criativa: urgente, inadiável, projetando cada detalhe num futuro imaginado.
O Concerto para Piano N.º 3 foi estreado em abril de 1803 com o próprio compositor ao piano, no mesmo programa em que foi tocada a Sinfonia N.º 1 e também se ouviram pela primeira vez a Sinfonia N.º 2 e a oratória Cristo no Monte das Oliveiras. Distingue-se pelo desenho cristalino com que as ideias se sucedem e desenvolvem, assim como pela extraordinária beleza das melodias – em particular no segundo e terceiro andamentos. Nunca esconde, todavia, o germe da inquietação expressiva que veio a irromper poucos anos mais tarde.