O universo criativo do compositor Carlos Caires distingue-se pela cuidada exploração de texturas sonoras ao longo do tempo. Quando em 1998 compôs Clepsidra, propôs-se refletir, precisamente, sobre essa dimensão temporal da Música, com base numa articulação de padrões rítmicos que evoluem em processos graduais e repetitivos. Explica-se, deste modo, o título da obra – referência a um dos aparelhos de medição do tempo mais antigos da História da Humanidade.
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A assumida influência de compositores como György Ligeti, Bernard Parmegiani ou Horacio Vaggione, este último seu professor na Universidade de Paris XVIII, ajudam a circunscrever o enquadramento estético da música de Carlos Caires. Professor na Escola Superior de Música de Lisboa desde 1992, a experiência que acumulou no domínio da informática musical e da eletrónica também se reflete em muitas das suas obras instrumentais. Clepsidra foi escrita para as cordas da orquestra e espelha a tendência persuasiva e compenetrada que caracterizam a sua música.
O tempo é um parâmetro intrínseco do fenómeno musical. É a sua verdadeira pauta, o seu caminho. Não espanta, pois, que seja matéria de reflexão recorrente para a maior parte dos compositores. Neste caso, Carlos Caires optou por fazê-lo através de uma alegoria musical, sobre um relógio de água que se conhece pelo nome de Clepsidra e cuja invenção remonta ao Antigo Egíto. Foi um dos primeiros sistemas criados pelo Homem para medir o tempo. Consiste em dois recipientes dispostos um por cima do outro. O período de tempo que uma determinada quantidade de água demorava a verter servia de referência a uma contagem do tempo relativamente precisa. Esta simples sugestão inspirou o compositor para elaborações rítmicas bastante mais complexas, mas igualmente eficazes. Clepsidra foi composta em 1998 para a Sinfonietta de Lisboa e explora jogos de regularidades rítmicas de vários tipos, procurando imitar o mecanismo de um relógio.
Rui Campos Leitão