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Canções de Amor

As Valsas Canções de Amor de Brahms são curtas peças com uma simplicidade melódica encantadora. Originalmente escritas para quatro partes vocais e piano a quatro mãos, nove delas converteram-se em partituras orquestrais pela mão do próprio compositor. Aí sobressai o cunho da valsa vienense, ainda que mais próximo da elegância de Schubert do que do espírito festivo da família Strauss. Escondem-se, porém, os poemas a partir dos quais foram criadas. A leitura desses poemas amplia os horizontes da compreensão musical.

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Em jeito de ficção, seria curioso saber como é que um melómano que viveu em Viena na segunda metade do século XIX entenderia os vários tipos de fruição musical que temos hoje à disposição. Naquela época, quem gostava de ouvir música tinha duas opções: ou se deslocava fisicamente a um qualquer espaço onde acontecesse, ou teria ele mesmo de a praticar. Em qualquer dos casos, não existia muita escolha. Menos ainda a possibilidade de ouvir qualquer música, quando e onde se quisesse. A relação contextual era, portanto, um elemento preponderante e inalienável do exercício da escuta. Os instrumentistas virtuosos, o vedetismo operático e o grande repertório sinfónico já vinham aproximando a música da condição de bem de consumo. Mas assistir-se sentado e atentamente a um concerto, em silêncio desde o princípio até ao fim, era uma situação relativamente rara. A música era sobretudo um pretexto para o convívio social, fosse ele mundano ou intimista. Foi nessa época que Brahms compôs estas Canções de Amor, destinadas a serem tocadas por músicos amadores em suas casas. Não correspondem, portanto, à monumentalidade estética que associamos de imediato a este compositor. Para contornar essa estranheza, propõe-se ignorarmos o nosso lado do espelho e mergulharmos naquilo que se nos oferece.

Recuados a 1868, as primeiras dezoito canções foram publicadas no caderno Op. 52. Em virtude do sucesso comercial que tiveram, o próprio compositor se sentiu motivado para transcrever oito delas para orquestra. Estas foram estreadas em Berlim, em março de 1870, na ocasião ainda acompanhadas por vozes, muito embora a partitura já incluísse a indicação de que eram facultativas. Na verdade, as partes vocais eram eventualmente dispensadas, de maneira a facilitar a logística de execução e, desse modo, alargar a projeção comercial da edição. Passada meia dúzia de anos, Brahms publicou outras treze Canções de Amor, o Op. 65, das quais só uma foi orquestrada. Os poemas das primeiras canções haviam resultado de adaptações de textos russos, polacos e húngaros. Desta vez eram turcos, persas, espanhóis e de outras proveniências. Em todo o caso, todos eram assinados por Georg Friedrich Daumer, o poeta e filósofo que desafiou Brahms para este projeto. A diversidade expressiva da música decalca-se, precisamente, nos textos cantados na versão original. Por essa razão, o compositor fez questão de que a publicação da primeira versão incluísse as partes cantadas, ainda que admitisse que fosse tocada simplesmente ao piano. Mesmo quando Brahms preparou as versões instrumentais – primeiro para piano e depois para orquestra –, fez sempre questão de juntar os textos. Ao encontro da sua vontade, deixamos aqui os poemas que estiveram na origem de cada uma destas nove canções orquestradas. Eles «explicam muita coisa». Ora ouça-se!

 

Texto de Rui Campos Leitão

 


 

Johannes Brahms – 9 das Valsas Canções de Amor, Op. 52 e Op. 65

Tradução livre dos poemas de Georg Friedrich Daumer (1800-1875)

 

I. Rede, Mädchen (Fala, Menina), Op. 52/1

 

Fala, menina, tão amada,

tu, que no meu peito antes gelado

lançaste os teus olhos,

esse ardor selvagem!

 

Não queres serenar teu coração?

Queres, como uma beata,

renunciar ao prazer,

ou queres que eu venha?

 

Ficar sem ousar a felicidade,

seria uma penitência tão amarga,

vem, tu, dos olhos negros,

vem quando as estrelas acenarem.

 

II. Am Gesteine rauscht die Flut (As ondas rebentam nas rochas), Op. 52/2

 

As ondas rebentam nas rochas,

violentamente lançadas;

Quem não souber o que é suspirar,

aprendê-lo-á, amando.

 

III. Wie des Abends schöne Röte (Como é belo o pôr do sol) Op. 52/4

 

Como é belo o pôr do sol!

Gostaria de lá arder, ai, pobre de mim,

para agrado de alguém,

irradiando êxtase para sempre.

 

IV. Ein kleiner, hübscher Vögel (Um belo passarinho), Op. 52/6

 

Um belo passarinho

levantou voo

até ao jardim, 

onde havia muita fruta.

 

Se eu fosse

um belo pássaro

não hesitaria;

faria como ele.

 

Traiçoeiramente,

esperavam-no nesse lugar,

e o pobre pássaro

não conseguiu escapar.

 

Se eu fosse

um belo pássaro

não hesitaria;

faria como ele.

 

O pássaro foi levado

por uma mão muito bela.

Nenhum mal aconteceu

ao afortunado passarinho.

 

Se eu fosse

um belo pássaro

não hesitaria;

faria como ele.

 

V. Die grüne Hopfenranke (Esta videira verde), Op. 52/5

 

Esta videira verde

vai-se enredando junto à terra.

Esta bela e jovem moça,

tão triste é seu pensamento!

 

Escuta, videira verde,

porque não cresces em direção ao céu?

Escuta, bela moça,

o que pesa no teu coração?

 

Como pode uma videira subir

não tendo onde se agarrar?

Como pode estar feliz uma jovem

cujo amado se encontra distante?

 

VI. Nagen am Herzen fühl ich ein Gift (Sinto o veneno corroer meu coração), Op. 65/9

 

Sinto o veneno

corroer meu coração.

Pode uma jovem,

resistindo ao delicado afeto,

enfrentar a vida inteira privada de felicidade?

 

VII. Nein, es ist nicht auszukommen (Não é possível suportar as pessoas), Op. 52/11

 

Não, não é possível suportar as pessoas.

elas interpretam tudo tão maldosamente.

 

Se estou alegre, devo conter os meus impulsos.

Se me quedo, é porque estou louco de amor!

 

VIII. Wenn so lind dein Auge mir (Quando tão gentis olhos me miram), Op. 52/8

 

Quando tão gentis olhos

com tanto carinho me miram,

todas as nuvens tristes

se afastam do meu redor.

 

A maravilhosa chama do nosso amor

– não deixe que se apague!

Nunca outro

te amará tão fielmente quanto eu.

 

 

IX. Am Donaustrande (Nas margens do Danúbio), Op. 52/9

 

Nas margens do Danúbio

há uma casa

da qual espreita

uma moça rosada.

 

Esta moça

está bem guardada.

Dez barras de ferro

encerram-lhe a porta.

 

Dez barras de ferro

para mim não são nada.

Irei quebrá-las

como se fossem apenas de vidro.