A Serenata para Cordas Op. 48 de Tchaikovsky é presença frequente nas programações das salas de concerto nos nossos dias. O segundo andamento, uma valsa, será talvez uma das peças mais conhecidas do compositor russo. Mas os restantes três pouco lhe ficam atrás, em particular no que respeita à beleza melódica e à mais genuína expressividade.
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É curioso saber que esta tão delicada Serenata foi composta em simultâneo com a espetacular Abertura 1812, no outono de 1880. Com efeito, são duas obras de tal modo contrastantes que não se imaginaria possível qualquer coexistência entre elas. Ao passo que a primeira resultou de uma encomenda para lembrar a vitória russa sobre as tropas napoleónicas, a composição da segunda partiu da iniciativa pessoal do compositor. A este respeito, o próprio endereçou naqueles dias uma carta à sua mecenas e confidente Nadezhda von Meck dizendo: «A Abertura será muito barulhenta, mas escrevi-a sem sentimento de afeto amoroso, pelo que, provavelmente, não terá qualquer valor artístico. A Serenata, pelo contrário, é fruto de um impulso íntimo. É uma peça que vem do coração e, por isso, arrisco-me a afirmar que não lhe faltará qualidade artística.»
Confirma-se. Os quatros andamentos caracterizam-se por uma dramaticidade intensa de belo efeito. Desde logo no primeiro andamento, com insistentes repetições do tema e interrupções bruscas que nos permitem recriar situações cénicas, como se pertencessem a um bailado. A valsa dispensa apresentações. Mais à frente, ouve-se uma elegia, uma sentida cadência em registo de lamento que nunca se afasta de um discurso fluído em que se destacam os timbres de cada instrumento. No final, há lugar a melodias populares exuberantes, mas sem prejuízo de uma coerência e solenidade que prevalecem do princípio ao fim da obra. Para tal, muito contribui a repetição espaçada do tema melódico que lhe deu início.
Rui Campos Leitão