Será difícil encontrar alguém que, entre as nove sinfonias de Beethoven, eleja A Quarta como sua preferida. O perfil discreto que aparenta não deve, no entanto, enganar-nos. Trata-se, afinal, do compositor da Eroica, mas numa faceta diferente daquela que lhe costumamos associar.
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Depois de terminar a Sinfonia Eroica, no início de 1804, Beethoven enfrentou, já no ano seguinte, o insucesso da ópera Fidelio e começou a esboçar uma nova sinfonia, em Dó Menor, aquela que viria a ser A Quinta. Porém, vários projetos se atravessaram no caminho. A Sinfonia N.º 4 foi um deles. No verão de 1806, o compositor encontrava-se no palácio do Príncipe Lichnowsky, na Silésia, trezentos quilómetros a nordeste de Viena. Foi então anunciada a visita do Conde Franz von Oppersdorff. Também melómano, o conde mantinha uma orquestra no seu castelo, situado a outros trezentos quilómetros dali, mais a norte. Ao escutar a Sinfonia N.º 2, foi tal o seu entusiasmo, que logo fez uma oferta (financeiramente) irrecusável para que lhe fosse escrita uma sinfonia. Teria sido «a tal» sinfonia em Dó Menor, não fosse Beethoven entender adequar-se mais ao efeito uma partitura com menor ímpeto expressivo.
Teve assim origem a Sinfonia N.º 4, em relação à qual é comum apontar-se o contraste que estabelece com a Terceira e a Quinta. É certo que, naquelas outras duas sinfonias, a dimensão épica, o arrebatamento dramático e a ousadia formal denotam mudanças de paradigmas técnicos e estéticos que abriram caminho a um novo período da História da Música, e que conquistam de imediato a preferência das audiências. Mas é um equívoco conotar a Sinfonia N.º 4 com «um passo atrás». Não se pode dizer que Beethoven tenha abdicado da sua propensão progressista, só porque aparenta recrear-se por vivências mais íntimas e harmoniosas, só porque não facilita a evocação de arquétipos relacionados com grandes causas humanistas. Tratar-se-á de uma obra «menor»? Seguramente que não.
Rui Campos Leitão
Imagem: Beethoven em 1804 ou 1805 | Pintura de Joseph Mahler (1778–1860) Fonte: Wikimedia Commons