A Quarta Sinfonia de Gustav Mahler anuncia o período de maturidade do compositor. Não se pode dissociá-la das sinfonias anteriores, mas distingue-se em múltiplos aspetos.
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A Quarta Sinfonia foi composta nos verões de 1899 e 1900, quando se assistiu a uma grande mudança no estilo de composição de Gustav Mahler. A canção «celestial» que se ouve no quarto andamento culminou um período em que os poemas «Des Knaben Wunderhorn» («A trompa mágica do rapaz») ocuparam uma posição dominante no seu imaginário criativo. Não se pode, portanto, dissociá-la das sinfonias anteriores. Distingue-se, porém. Desde logo, porque é uma partitura que não revela as referências programáticas em que se baseia. Pelo contrário, inclina-se para uma postura afim à ideia do «puramente musical», o que se pode comprovar na maior sofisticação das texturas tímbricas, na alternância entre momentos protagonizados pelo maciço orquestral com outros em que prevalecem sonoridades próximas da música de câmara. As combinações instrumentais são menos lineares do que acontecia nas sinfonias anteriores. Anuncia-se deste modo o período de maturidade do compositor.
Os três primeiros andamentos correspondem ao formato de uma sinfonia de matriz clássica: o primeiro desenvolve-se em Forma Sonata, o segundo consiste num Scherzo e o terceiro num Adagio. Cumprem-se assim com reverência os fundamentos da tradição musical austríaca, a que não será alheia a circunstância de Mahler ter assumido pouco tempo antes o lugar de Diretor Musical da Ópera de Viena e, com vista a atenuar o impacto das correntes antissemitas que floresciam, renunciar ao judaísmo, convertendo-se à religião católica. Ainda assim, surgem desde o primeiro compasso indícios que contrariam a expetativa de ser uma sinfonia clássica. É certo que a dimensão do efetivo orquestral é mais reduzida e que a coerência temática entre os diferentes andamentos é irrepreensível. Mas a vincada propensão intimista e um tratamento invulgar dos temas melódicos conduzem-nos por caminhos diferentes.
Em verdade, Mahler inverteu o princípio genérico segundo o qual no formato sinfonia se apresentam primeiro os temas melódicos fundadores, para depois os transformar e desenvolver rumo a um final conclusivo, por vezes apoteótico. Em vez disso, tomou como ponto de partida uma canção que havia composto em 1892. «Das himmlische Leben» («A vida celestial») só se revela integralmente no último andamento e toda a música que a precede baseia-se em fragmentos dela retirados. Esta e outras soluções compositivas parecem evitar a grandiosidade das anteriores sinfonias, o que em boa medida justifica a relutância do público e da crítica da época na sua aceitação. Desde novembro de 1901, quando estreou na cidade de Munique, a Quarta Sinfonia enfrentou os caprichos da História, conquistando nas últimas décadas lugar de destaque nas programações das salas de concerto em todo o mundo.