Foi Beethoven quem chamou de «Pequena Sinfonia» à Oitava, referindo-se eventualmente à monumentalidade das sinfonias que a rodeiam, a Sétima e a Nona. Também é certo que, a par da primeira, é das mais curtas sinfonias que escreveu. Aparentemente, retomava uma postura mais clássica nas sinfonias de número par, pelo que alguns defendem que dava um passo à frente nas sinfonias ímpar para recuar de seguida. Todavia, a Sinfonia N.º 8 resulta enganadora. À medida que avança, revela toda a maturidade artística do compositor alemão.
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Completada em 1812, a Oitava Sinfonia só foi estreada a 27 de fevereiro de 1814, na Antiga Universidade de Viena. Nesse concerto, também se tocou A Vitória de Wellington e foi reposta a Sétima Sinfonia, que havia sido estreada na mesma sala em dezembro do ano anterior. Não foram só os outros compositores que sofreram a comparação com as mais imponentes sinfonias de Beethoven. Também o próprio se viu prejudicado por essa razão. Após o enorme sucesso da Sétima, estando ainda presentes as memórias da Terceira e da Quinta, a «Pequena Sinfonia» não suscitou aclamação imediata do público.
Mas a primeira reação pode ser enganadora. De aparência lúdica, é uma obra que esconde uma grande dose de experimentalismo. Sem excessos, com espírito sintético, quase deixa as ideias por concluir. Aparenta focar-se, sobretudo, em elementos técnicos e formais, indo ao encontro dos modelos dos seus antecessores, pelo que muitos entendem esta sinfonia como um retrocesso, já que em diversos momentos se reconhece o estilo de Haydn. Pois, não será assim. Parece haver um exercício de abstração por parte de Beethoven, quase como uma evasão dos incómodos da existência.
Inusitadamente, os primeiros compassos logo revelam a maneira como termina o primeiro andamento, pois começa e termina exatamente com a mesma música, após um epílogo de dimensões quase desproporcionadas. Ao longo deste andamento, surgem silêncios inesperados, sequências harmónicas surpreendentes, ruturas abruptas numa orquestração opulenta placidamente interrompida por agrupamentos pequenos, como se estes pretendessem anular a consumação de um clímax. Há uma permanente contenção que garante a diminuição da intensidade expressiva.
A ausência de um andamento lento é, a este respeito, sintomática. O segundo andamento é um Allegro scherzando que, estruturalmente, resulta num intermezzo que liga o primeiro e o terceiro andamentos. Não é lento nem extenso, como se esperaria de um segundo andamento de uma sinfonia de Beethoven. Já o terceiro andamento, que retoma o velho Minueto, parece abandonar o registo jocoso, com uma disposição lírica e transparente que quase parece pertencer a outra sinfonia. Por vezes, parece manipular com ironia o padrão rítmico dançável do Minueto.
O Finale transpira jovialidade. O início parece preparar algo cerimonioso. Porém, a orquestra logo irrompe provocadoramente. Sem grandes melodias, apresenta-se um discurso atomizado em que a orquestra se desintegra progressivamente. As combinações instrumentais evoluem ao longo do tempo, como se fossem a essência de tudo o que acontece. Há lugar a pausas dramáticas e a uma Coda de contornos inesperados. Na vez de logo rematar, deambula por «questões» que ficam, naturalmente, por responder.
Rui Campos Leitão