Composta em 1886, a «Pavane» de Gabriel Fauré conserva ainda hoje um efeito encantatório. Isso deve-se à combinação cirúrgica da simplicidade melódica com uma cadência rítmica pesarosa, juntamente com uma orquestração requintada e extremamente sóbria. Pelo meio destaca-se uma secção contrastante que realça a solenidade e a afetação emotiva prevalecentes. Por fim tudo esmorece num sopro de flauta.
**
Gabriel Fauré nasceu em 1845 no Sul de França, numa pequena localidade próxima dos Pirinéus. Estudou, porém, em Paris, com o compositor Camille Saint-Saëns, numa instituição de ensino vocacionada para a formação de músicos especializados em música sacra. Não se estranha, portanto, que a sua obra mais conhecida seja «o» Requiem. Apesar disso, Fauré não era uma pessoa particularmente religiosa, pelo que, para lá de ter trabalhado como organista e diretor musical de algumas das principais igrejas de Paris, desde cedo se fez notar nos salões mais elegantes da cidade através das inúmeras canções que escreveu. Ao longo de toda a sua vida, manteve uma convivência muito próxima com a alta sociedade da capital francesa. Essa relação esteve na origem da célebre «Pavane».
A Pavana era uma dança corrente nas cortes espanholas do período da Renascença – o seu nome terá sido inspirado na postura que o pavão exibe na extravagância da sua cauda. Já em 1886, e com os olhos postos no passado, Fauré recorreu a essa mesma elegância e altivez para compor a música de uma Pavana – que se destinou a ser tocada ao piano, primeiro, e depois pela orquestra. Expressou assim a sua reverência por uma figura feminina que se destacava na elite social parisiense da época, à qual chamava «Madame ma Fée» (minha fada). Tratava-se da Condessa Élisabeth Greffulhe, a mesma mulher que terá inspirado o escritor Marcel Proust para construir a personagem Duquesa de Guermantes de Em Busca do Tempo Perdido. Deste modo, esta composição de Fauré pode ser entendida com o retrato musical de uma verdadeira musa. Existe, ainda, uma adaptação para orquestra e coro que o próprio compositor estreou pouco tempo depois, com versos evocativos do sofrimento romântico. Esta última versão também é, por vezes, dançada por companhias de bailado, mas em ocasiões relativamente raras.
Rui Campos Leitão
[Fotografia da Condessa Élisabeth Greffulhe | 1895 | Fonte: Wikimedia Commons]