As sonoridades rústicas da Sinfonia N.º 8 de Dvořák assentam em intervenções instrumentais características, padrões rítmicos simples e dançáveis, uma fluência melódica invulgar e uma disposição bem humorada que não disfarça a utilização de recursos eminentemente teatrais. Esta aparência espontânea distingue-se do rigor formal da sinfonia anterior, dando azo a comparações com o pendor bucólico da segunda sinfonia de Brahms e da quarta de Mahler. Junta-se aqui Beethoven ao cenário, e poderíamos chamar-lhe a Sinfonia Pastoral do músico checo.
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A Sinfonia N.º 8 de Antonín Dvořák foi composta entre agosto e novembro de 1889, e estreada em fevereiro seguinte na cidade de Praga. Nessa época apresentava-se como a quarta sinfonia, já que aquelas que são, efetivamente, as suas primeiras quatro sinfonias só foram publicadas postumamente, já na década de 1950. Curiosamente, também foi conhecida durante muitos anos como «Sinfonia Inglesa». Isto porque, em 1891, Dvořák apresentou a mesma partitura no âmbito do processo que lhe valeu a atribuição do Doutoramento pela Universidade de Cambridge – lembremo-nos que foi, em parte, o prestígio conquistado em Inglaterra que catapultou a sua carreira. Ainda assim, este último episódio em nada se reflete no que se ouve. É bastante mais evidente a influência da cultura boémia, emanação das paisagens idílicas de Vysoká, o refúgio onde teve origem esta e tantas outras obras do compositor.
Trata-se de uma das suas sinfonias mais populares, obviamente precedida pela Sinfonia do Novo Mundo. Porém, apesar da predileção do público, foi alvo de opiniões especializadas bastante críticas, as quais a relegaram para um segundo plano de valor, considerando-a rapsódica, por vezes vagueante. Com efeito, é uma obra que se distancia do legado mais conservador de Brahms, o que não acontece com o Quarteto com Piano N.º 2, composto imediatamente antes. Tal poderia justificar-se por um momento de maior «descontração criativa», mas também há quem alegue a demarcação do sinfonismo germânico, por razões nacionalistas. E até mesmo a influência de Tchaikovsky, cuja 5.ª Sinfonia Dvořák ouviu em Praga em novembro de 1888, estudando-a minuciosamente nos meses seguintes. A possibilidade de uma digressão pela Rússia poderá ter condicionado substancialmente a sua nova composição.
Resulta evidente que Dvořák pretendia enveredar por um rumo diferente daquele seguido nas sinfonias anteriores. E assim aconteceu, dando primazia à intuição criativa e à obtenção de efeitos expressivos, com relativo sacrifício dos padrões formais instituídos. Garantiu, todavia, uma unidade orgânica na obra baseando-se na célula melódica de três notas que se ouve de início, e da qual germina grande parte das melodias que se estendem ao longo dos quatro andamentos. O primeiro surpreende pela justaposição de temas que culminam num clímax aparatoso. No segundo andamento voltam a reunir-se elementos dispersos num conjunto coerente, ora com protagonismo dos sopros ora das cordas, ora sombrio ora afável, mas sempre com melodias de efeito encantatório que são, a dada altura, interrompidas por uma fanfarra exuberante. O terceiro andamento, Allegretto grazioso, assemelha-se a uma valsa de cariz eslavo, com uma intermédia secção lenta onde Dvořák recupera uma ária da ópera cómica «Os amantes teimosos» que estreara em 1881. Por fim, o último andamento irrompe com mais uma fanfarra, e prossegue na forma de variações sobre a melodia prontamente apresentada pelos violoncelos.
Rui Campos Leitão