Arcangelo Corelli foi um compositor que, no final do século XVII, contribuiu decisivamente para a emancipação da música puramente instrumental. O (então) novo género musical tinha origem em cerimónias religiosas opulentas, eventos públicos de grande aparato, momentos celebrativos privados ou reuniões que juntavam pessoas pertencentes às classes ilustradas. Compreende-se assim que, mesmo quando ostenta padrões rítmicos dançáveis ou harmonias pungentes, predomine na música de Corelli um dramatismo solene, por vezes exuberante, mas nunca tão excessivo que abale uma postura formal e representativa. É bom exemplo disso o caderno Op. 6 e, em particular, o concerto Fatto per la Notte di Natale.
**
O Concerto Grosso é um formato musical que confronta um pequeno grupo de instrumentistas, denominado Concertino, com a restante orquestra, o Ripieno, num diálogo musical que busca um efeito dramático manifesto e intenso. O quarto concerto do caderno Op. 6, que foi publicado postumamente, ilustra bem este estilo musical tão característico do compositor italiano. Alterna sempre andamentos contrastantes. A imponência dos acordes iniciais anuncia uma conversação frenética em que o primeiro violino assume boa parte do protagonismo. Já no Adagio, assiste-se a uma cadência processional de ânimo pesaroso, o que contrasta com tudo o resto. Nas danças sociais que se seguem sugere-se a pompa e circunstância de salões ornamentados, culminando com gestos de inesperada precipitação.
O oitavo concerto do mesmo livro é, por sua vez, um exemplo bastante mais emblemático. Trata-se de uma obra conhecida de todos, por ser desde há várias décadas uma das partituras barrocas mais tocadas, independentemente da altura do ano. Este «à parte» refere-se à inscrição que se lê no manuscrito: «Escrito para a noite de Natal». Com efeito, era o Natal de 1690 e a partitura resultou da encomenda do Cardeal e mecenas Pietro Ottoboni para a ocasião. À alternância entre andamentos lentos e rápidos própria de uma sonata da chiesa, acrescenta-se, por fim, um andamento que evoca pretensamente o nascimento de Jesus por intermédio de uma canção de embalar. Termina assim esta obra belíssima que está acima dos tempos e das modas, que deambula com igual naturalidade por ambiências solenes ou efusivas, comoventes ou joviais.
Rui Campos Leitão
Imagem: «A Adoração dos Pastores», Pintura de Luca Giordano datada de 1690 | Fonte: Wikimedia Commons