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A Cor Amarela

O sheng parece-se com um pequeno órgão de tubos que se apoia nas palmas das mãos. A sua origem remonta a uma das primeiras dinastias da China Imperial e emite um som semelhante ao da harmónica, até porque também resulta da vibração de palhetas sopradas pelo instrumentista. Em 2007 o compositor Huang Ruo propôs-se colocá-lo em diálogo com a tradição musical clássica ocidental, designadamente na condição de solista à frente de uma orquestra. Nasceu assim A Cor Amarela, uma obra cujo título remete para os simbolismos do poder e da prosperidade, mas não só!

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Huang Ruo nasceu em 1976 em Ainão, o arquipélago situado no sul da República Popular da China. Viveu depois também em Guangzhou e em Xangai antes de, aos dezoito anos de idade, se mudar para Los Angeles e, já em 2000, para Nova Iorque. Pertence à geração que cresceu com o florescimento da música clássica depois do fim da Revolução Cultural. Fruto desse percurso biográfico, o seu estilo de composição reflete a confluência de práticas musicais que provêm de culturas distantes. Respira com igual à-vontade a música tradicional da China e os vanguardismos do Ocidente, para lá de nos permitir por vezes reconhecer reminiscências do Rock e do Jazz. Resulta assim um universo onírico que nos leva a percorrer – não sem alguma vertigem – diferentes mundos. Em 2010, a sua obra The Yellow Earth foi distinguida no Concurso de Composição Celebrate Asia!, tendo sido interpretada em janeiro do ano seguinte pela Orquestra Sinfónica de Seattle. The Yellow Earth é, precisamente, um arranjo do terceiro andamento deste Concerto para Sheng e Orquestra, The Color Yellow, de 2007.

Por se tratar de um Concerto, o que pressupõe a existência de confrontos instrumentais, The Color Yellow exalta-se na sobreposição de timbres de diferentes origens e qualidades. Huang propôs-se buscar uma unidade improvável, e conseguiu-o apostando na exploração desse imenso privilégio que são As Diferenças. Resulta assim um diálogo profundamente dramático entre partes que, afinal, fazem questão de se distinguir de maneira salutar. Tal não representa, portanto, o sacrifício da coerência estética do conjunto. Pelo contrário, reforça as tensões teatrais e sugere convivências que não se confundem nesse palco único que é a arte dos sons.

Resta assim perguntar sobre o sentido do título «A Cor Amarela». Segundo Huang, o amarelo é a cor da China. Trata-se, portanto, de uma criação que evoca a China e o seu povo, as profundas transformações do modo de vida que ali se sentiram nas últimas décadas. A tradução literal daquela expressão significa uma porta por detrás da qual se esconde algo, porventura diferentes caminhos que nos podem conduzir por diferentes viagens. Temos então de atravessar essa porta, que neste caso é representada pelo solista. O sheng é aqui também uma espécie de viajante que reage enquanto personagem às vicissitudes de uma jornada insólita. Ele acompanha o ouvinte, como um cicerone, por entre caminhos por desbravar num mapa de sonoridades distantes e improváveis. O compositor oferece-nos ainda mais pistas: «Amarelo é a cor da pele, amarelo é a Terra Amarela, o Rio Amarelo e a Montanha Amarela. The Color Yellow é uma obra que ecoa o passado, articula o presente e projeta o futuro.»

 

Rui Campos Leitão